

Em 1959, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica que contava a vida daquela época, em que eu era adolescente e o mundo muito diferente.
Assim, “em pleno ócio de domingo, o cronista afundou no mar de anúncios classificados do jornal, disposto a comprar, imaginariamente, tudo o que lhe oferecessem, desde o Ford 1925 até o canário, passando pelo bolo de casamento.” Vejam alguns desses anúncios: “Madame L. vende ou troca um esbeltex por um piano; na rua Delfina, vende-se linda mesa esculturada, com corpo de mulher…; Eurico troca um terreno em Bom Clima, perto do Petrópolis Country, por um avião de turismo em qualquer estado; os Sermões de Vieira, excelente encadernação de couro, 15 volumes não manuseados, vende-se para desocupar lugar; na rua Bolívar oficial do Exército, na reserva, vende todos os seus uniformes (manequim 48-50) em ótimo estado de conservação, inclusive capote, espada, botas etc. faltando só as medalhas e a fé de ofício.”
Mas o cronista estacou diante de um artigo que não se vendia, dava-se: “Dá-se um menino para batizar, com a condição de, se for preciso, tomarem conta do mesmo: combinar pelo telefone.” E escreveu o cronista: “Ora pois, ainda há algo que se cede a troco de nada, algo que se oferece a quem queira, de graça: um menino. E não é um só: “Dá-se uma criancinha de cor branca, forte, preferência a casal sem filhos, telefone tal, marcar entrevista com Ieda.” E vejam a colheita de anúncios com nítido preconceito de cor: “Moças e senhoras, fixo Cr$5.000 e comissões, com prática de vendas ou não, precisamos de cinco, cor branca, rua da Assembleia.”; “Família pequena precisa de empregada branca para todo serviço, lavar a máquina, menos passar, exige-se referência e carteira de saúde, paga-se bem, rua Almirante P.
Guimarães.”; “Precisa-se de duas senhoras brancas para direção de pensionato com crianças de 6 anos, podendo trazer uma filha ou duas, rua Paissandu.”
E Drummond assim termina: “Não se exige instrução nem prática de serviço, mas brancura é indispensável, até para cozinheiras, que não costumam trabalhar no living. Não há dúvida, anúncios contam a vida. (28 de abril de 1959).”
Quanto preconceito, meu Deus!
E hoje, como estamos?
A 1ª lei brasileira, em 1951, estabeleceu como contravenção penal, qualquer prática de preconceito por cor ou raça.
Já a lei 7716/1989 conhecida como “a lei do Racismo”, define os crimes resultantes do preconceito por cor ou raça; e a nossa própria Constituição Federal estabelece que racismo é crime inafiançável e imprescritível.
É da natureza das normas jurídicas estabelecer aquilo que deve ser cumprido.