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Os 180 anos de um idealista: o Conselheiro Macedo Soares

Entrevista com Carlos Eduardo Oliva, sociólogo, cientista político e trineto do Conselheiro Antônio Joaquim de Macedo Soares

O Conselheiro Macedo Soares foi um intelectual do Século XIX. Além de magistrado, que chegou a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, foi também jornalista, crítico literário, dicionarista, etimólogo, genealogista, tendo sido citado pelo fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, o escritor e poeta Machado de Assis, no Prólogo do seu livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Nascido em 14 de janeiro de 1838, em Maricá, o Conselheiro sempre foi estudioso. Filho do médico Joaquim Mariano de Azevedo Soares, primeiro presidente da Câmara de Saquarema, estudou, quando garoto, no Seminário Episcopal do Rio de Janeiro.

O Conselheiro Macedo Soares foi um precursor no debate das relações entre Estado e Igreja, sempre defendendo corajosamente a laicidade do ensino (Fotos: Fotos: Acervo Carlos Eduardo Oliva)

Formado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, em 1861, teve intensa atividade no jornal “Correio Paulistano” e na “Revista Popular”, entre outros jornais e revistas da época. Em 1862, antes de se tornar juiz em Saquarema e Araruama, foi nomeado Inspetor da Instrução Pública e Particular em Rio Bonito. Casado com sua prima Theodora Alvares de Azevedo Macedo, sobrinha do Visconde de Itaboraí e do Visconde do Uruguai, ambos casados com duas das irmãs do pai de Thedora, foi genro do também Comendador Francisco Alvares de Azevedo Macedo, que comandava a Guarda Nacional em Saquarema, Araruama e Cabo Frio, e que já havia sido casado, em primeiras núpcias, com outra irmã do Visconde de Itaboraí.

Jovem, o Conselheiro Macedo Soares foi nomeado juiz municipal e dos órfãos em Saquarema e Araruama no final de 1862, com apenas 24 anos, porém não foi reconduzido ao cargo em 1866, devido a uma edição de seu livro “Da Liberdade Religiosa no Brasil”, publicado em 1865, onde fazia a corajosa defesa da separação entre o Estado e a Igreja. Abolicionista, jamais lavrou enquanto juiz uma sentença contra pessoas escravizadas e, quando entrou no Supremo Tribunal Federal, em 1892, já em idade avançada, no final do Século 19, defendeu o direito de greve e declarou acreditar no socialismo!

Para falar deste personagem visionário que tanto teve e ainda tem a ver com Saquarema, entrevistamos seu trineto Carlos Eduardo Oliva, professor do Colégio Pedro II, no Rio, que considera o legado ético do Conselheiro Macedo Soares para o Brasil de hoje um exemplo para as novas gerações. “O Conselheiro é um exemplo muito importante. Ele foi legislador, mas também foi vereador e deputado provincial quando jovem, preocupado com o ensino primário. Como juiz, atuou tendo como horizonte a dignidade da pessoa humana e a igualdade de direitos e por isso deve ser lembrado pelas causas que defendeu durante toda sua vida, entre elas o fim da exploração do homem pelo homem e a defesa intransigente da liberdade de crença e de consciência”, diz o jovem Carlos Eduardo.
Como seu trisavô, Carlos Eduardo é um ativista pela laicidade do Estado, a separação entre Estado e igreja, tema sobre o qual seu trisavô se debruçou pioneiramente no século 19 e sobre o qual o trineto Carlos Eduardo também pesquisou em sua dissertação de mestrado, dedicada à memória do Conselheiro Macedo Soares. Idealista, o Conselheiro Macedo Soares defendia esta e outras teses consideradas avançadíssimas naquele ambiente conservador do Brasil da virada do século 19 para o início do século 20. O Conselheiro Macedo Soares também fez parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Sociedade de Geografia, entre outras instituições científicas e literárias. Autor de vários livros, hoje raríssimos nas livrarias e sebos, como o Nobiliarquia Fluminense, foi ele quem sucedeu o Marechal Deodoro, que acabara de se tornar presidente da República, como Grão Mestre da Maçonaria, no despontar da República.

Resgatando o personagem histórico

Nascido em Saquarema, Oscar de Macedo Soares é o primogênito do Conselheiro Macedo Soares, que nasceu numa fazenda, em Ponta Negra, Maricá

O SAQUÁ – O Conselheiro Macedo Soares foi juiz em Saquarema e Araruama, e promotor em Rio Bonito. Ele também se dedicou à política?

Carlos Eduardo – Sim, ele passou alguns anos dedicado à política, como vereador de Araruama, onde redigiu o regimento daquela Câmara, que passaria a ser modelo de regimento para as demais Câmaras no país, por proposta do deputado Vieira Souto. E foi também deputado provincial no Rio de Janeiro, até retornar à magistratura como juiz de Direito no Paraná, em 1874, depois em Minas Gerais, entre 1876 e 1881 e, por fim, novamente no Rio de Janeiro, em Cabo Frio, até 1886, quando retorna à capital do Império, Rio de Janeiro. Republicano, manteve com o imperador Pedro II um bom relacionamento, tendo sido agraciado com o título de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa. E foi também um nacionalista, que defendeu a apropriação brasileira da língua portuguesa, afirmando, no Dicionário que publicou, que já era tempo dos brasileiros escreverem como se fala no Brasil e não como se escrevia em Portugal.
O SAQUÁ – Além de republicano ele foi também um abolicionista…

Carlos Eduardo – O Conselheiro sempre foi um abolicionista. Mesmo casado com uma sobrinha de viscondes poderosos do Império, chefes políticos fluminenses, nunca titubeou na defesa da causa abolicionista ou da separação entre Estado e Igreja. Era profundamente antiescravista, inclusive falava línguas africanas… Como juiz, consta que foi o primeiro juiz a pôr em execução a chamada Lei Feijó, de 1831, que proibia a importação de pessoas escravizadas, libertando os que aqui chegavam nesta condição. E foi também o primeiro juiz a aplicar a Lei Áurea, em 14 de maio de 1888, no dia seguinte à sanção da lei! Logo que a República foi proclamada, ele colaborou com Rui Barbosa e com o Barão de Sobral, na elaboração de leis do governo provisório.

O SAQUÁ – Quais as principais obras de sua autoria?

Carlos Eduardo Oliva: Embora seus artigos publicados na imprensa não estejam ainda reunidos em livro, podemos conhecer algumas de suas obras revisadas e publicadas (ou republicadas) pelo seu filho Julião Rangel de Macedo Soares, como o “Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”, os “Estudos Lexicográficos do Dialeto Brasileiro” e a “Nobiliarquia Fluminense ou genealogia das principais e mais antigas famílias da Corte e província do Rio de Janeiro”, entre outros. O Conselheiro foi ativamente engajado na causa abolicionista, com sua “Campanha Jurídica pela Libertação dos Escravos”, republicada em livro no ano do centenário de seu nascimento, em 1938, e na defesa da separação entre Estado e Igreja, com o seu polêmico “Da Liberdade Religiosa no Brasil”, publicado em 1865 e relançado em 1879, considerado a primeira reflexão teórica sobre a liberdade religiosa elaborada e divulgada no país.

Joaquim Mariano de Azevedo Soares, primeiro presidente da Câmara de Saquarema, é pai do Conselheiro Macedo Soares, que foi juiz em Saquarema e Araruama

O SAQUÁ: Qual a importância de resgatar este personagem histórico para Saquarema, Araruama, Maricá e Rio Bonito?

Carlos Eduardo Oliva: É imprescindível resgatar os personagens históricos fluminenses, em especial desta região, que foi tão importante politicamente para o país. Na primeira metade do Século 20, Gilberto Freyre já se ressentia do esquecimento da obra de Macedo Soares, que ele consultou em clássicos como “Casa Grande e Senzala”, de 1933. Os comentários que pesquisadores de diferentes campos do conhecimento vêm fazendo sobre a obra de Macedo Soares evidencia também sua importância, que ainda carece de maior reconhecimento. Ao conhecermos sua biografia, notamos como Saquarema, Maricá, Araruama, Rio Bonito e toda a região foram importantes para o Conselheiro, que tinha um tio fazendeiro em Saquarema, assim como seus avós maternos, especialmente sua avó Maria Thereza, nascida em Saquarema e sua mãe, batizada em Araruama. Já seus primeiros filhos nasceram em Saquarema, como Oscar e Noêmia, ou em Araruama, onde nasceu minha bisavó Elisah.

O SAQUÁ: Aqui em Saquarema tem uma praça chamada Oscar de MacedoSoares, benemérito do município, mas pouco se conhece do Dr. Joaquim Mariano de Azevedo Soares, primeiro presidente da Câmara de Saquarema, bem como do Conselheiro Macedo Soares. Qual o grau de parentesco entre eles?

Carlos Eduardo Oliva: Oscar de Macedo Soares era filho do Conselheiro Macedo Soares e o Dr. Joaquim Mariano de Azevedo Soares era seu pai. Oscar era o seu primogênito e, entre seus filhos, o mais ligado à Saquarema. Foi ele quem trouxe à cidade iluminação pública através de lampiões, água encanada para o Centro da Cidade, fundou uma maternidade, doou uma propriedade para sediar o telégrafo, entre outros benefícios… Já o Dr. Joaquim Mariano de Azevedo Soares, presidente da Câmara de Saquarema, nasceu na Fazenda do Bananal, em Ponta Negra, Maricá, onde também nasceram todos os irmãos do Conselheiro Macedo Soares, mas fez carreira política em Saquarema.

O SAQUÁ – Qual o legado ético do Conselheiro Macedo Soares para as novas gerações?

Carlos Eduardo – O legado ético do Conselheiro Macedo Soares para o Brasil de hoje é seu exemplo. Ele foi dedicado à defesa da separação entre Estado e Igreja, o que lhe custou um cargo em 1866, e à causa abolicionista. A meu ver não resta dúvidas de que seu ativismo corresponderia hoje à luta pelos Direitos Humanos, causa à qual ele se dedicou durante toda a sua vida: a libertação do homem.

 

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