Cidade Dulce Tupy Opinião

Tragédia anunciada de Mariana é um mar de lama irreversível

Editorial - Dulce Tupy

O maior acidente ambiental do país ocorreu em Mariana, em Minas Gerais, com impacto também no Espírito Santo e talvez na Bahia. Os 62 milhões de metros cúbicos de lama derramados sobre o distrito de Bento Rodrigues soterrou toda espécie de vida local e está deixando um rastro de morte, impactando cerca de 40 pequenas e grandes cidades, até a foz do Rio Doce, que desemboca no oceano, próximo do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no sul da Bahia, um paraíso ecológico. Contaminada com detritos de ferro, chumbo e outros minérios, a lama tóxica vai virar terra dura, deixando uma marca sinistra de um desastre ambiental que poderia ter sido evitado, caso os técnicos ambientais, os ambientalistas e mesmo os poetas tivessem sido ouvidos antes do acidente fatal. A anunciada tragédia de Mariana, é um drama previsto em versos pelo poeta mineiro Carlos Drumond de Andrade, nascido em Itabira, uma cidade cercada de montanhas de ferro. Drumond, um dos maiores poetas brasileiros e um dos maiores do mundo, chorou esse desastre ambiental, há mais de 30 anos, no poema Lira Itabirana: “O Rio? É doce. / A Vale? Amarga. / Ai, antes fosse / Mais leve a carga. / Entre estatais / E multinacionais, / Quantos ais! / A dívida interna. / A dívida externa / A dívida eterna. / Quantas toneladas exportamos / De ferro? / Quantas lágrimas disfarçamos / Sem berro?”.

 

Prejuízos imensos
não podem ser
reparados com
multa e dinheiro

O rompimento de 2 barragens da mineradora Samarco, uma das maiores do país e do mundo, controlada pela poderosa Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, provocou este irreversível dano à natureza que atingiu a região, especialmente o Rio Doce. Com 853 quilômetros de extensão e vários afluentes, o Rio Doce é o braço forte da maior bacia hidrográfica do Sudeste. Segundo o fotógrafo Sebastião Salgado, consagrado mundialmente por sua luta em defesa da vida e da natureza, será necessário um plano para recuperar pelo menos 300 nascentes, como já faz o Instituto Terra, na fazenda Bulcão, em Aimorés, reproduzindo mudas da Mata Atlântica para reflorestamento. Mas o drama maior é o que se refere à população ribeirinha, especialmente pescadores e índios, fragilizados diretamente com a morte do rio. É como se tivessem sido atingidos por uma bomba! As barragens são ônus da mineração, uma atividade predatória que deveria ter leis mais rigorosas.
A tragédia de Mariana é maior que a do vazamento do navio petroleiro Exxon Valdez, no Alasca, e o da plataforma Deepwater Horizon, da petroleira BP, no Golfo do México; com uma dimensão mais profunda porque, além das mortes, dos desaparecidos e desabrigados, além dos prejuízos da flora e fauna, ainda tem os prejuízos históricos e culturais, materiais e imateriais, de toda a região. São perdas que os 250 milhões de multa e 1 bilhão para reparar danos não compensam. Sob a lama em Bento Ribeiro ficou enterrada uma igreja do começo do século 19. Nunca será recuperada. E ainda tem uma barragem da Samarco para vazar, entre centenas em Minas Gerais. Quando? Ninguém sabe.

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