Dulce Tupy

Incêndio na Cidade do Samba destrói memória cultural

Editorial - Dulce Tupy

O incêndio na Cidade do Samba, provavelmente pela falta de respeito às normas de segurança na fabricação, armazenamento e uso dos materiais para os desfiles, mostra mais uma vez o desleixo com a cultura popular, o samba, manifestação secular do povo brasileiro que virou atração turística e atrai milhares de pessoas do mundo inteiro, que vêm ao Rio de Janeiro no carnaval para conhecer de perto essa magnífica expressão popular. Sinônimo de brasilidade, o samba é uma marca registrada da nação brasileira e deveria receber por parte dos governantes o mesmo tratamento que o jazz recebe dos governos americanos, até como propaganda e estratégia cultural.

A Cidade do Samba foi inaugurada pelo então prefeito Cesar Maia, no final de seu mandato, com a pressa que as obras públicas são inauguradas em final de governo… Tanto é assim que o comando do Corpo de Bombeiros concordou que as instalações de combate a incêndio na Cidade do Samba não eram eficientes. Somente depois do leite derramado, vão refazer tudo, com mais segurança e profissionalismo. Segundo o arquiteto e urbanista Canagé Vilhena, o mais trágico neste caso é que a própria Defesa Civil veio a público afirmar que as instalações de combate a incêndio não estavam de acordo com a legislação, aprovada em 1976! Ué, mas mesmo assim permitiram a inauguração da obra?

Conforme as notícias de jornais, em agosto do ano passado, foi comunicado à RioUrbe, órgão da Prefeitura do Rio, que o sistema de prevenção de incêndio não estava funcionando adequadamente. Para Canagé, deveria ter sido comunicado à Defesa Civil Municipal, onde há um grande número de bombeiros, enfatizando que os órgãos encarregados da segurança nas edificações não atuam de forma integrada…

O enorme prejuízo para as escolas de samba como um todo, em especial para as três que foram atingidas diretamente, Portela, Grande Rio e União da Ilha, além das alterações no próprio desfile, vão marcar definitivamente a história das escolas de samba no Rio de Janeiro. A lamentar, também, a destruição do Museu do Samba, edificado a duras penas pelo incansável pesquisador Hiran Araújo, um idealista, médico e escritor, pioneiro nas pesquisas do mundo do samba. Lembro quando trabalhamos juntos na criação e produção da exposição inaugural do Museu do Carnaval, na Praça da Apoteose. Ele, trabalhando para a Riotur; eu convidada por ele, trabalhando como pesquisadora, ao lado do também pesquisador Ari Araújo. Junto conosco Verinha, da Tradição (ex-Portela), pesquisando dia e noite nos arquivos do jornal O Globo, para reconstituir através de imagens a história do samba, em grandes painéis iluminados pelo light design de Peter Gasper, o mago da luz.

Na galeria do museu projetado pelo gênio do arquiteto Oscar Niemeyer, no Sambódromo, a Passarela do Samba construída pelo então governador Leonel Brizola, a origem das escolas de samba foi resgatada, com a força de suas raízes ancestrais. Ali colocamos nossas energias, para revelar aos cariocas e fluminenses e aos milhares de turistas brasileiros e estrangeiros que visitavam o Museu, como é possível fazer arte com o espírito festivo de um povo mestiço, que sobreviveu ao longo dos séculos através do samba, recriando o carnaval no processo da civilização do Brasil.

O Saquá 130 – Fevereiro/2011

Artigo publicado na edição de fevereiro de 2011 do jornal O Saquá (edição 130)

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