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Perplexidades

Cultura é Notícia - Beatriz Dutra

Adorava quando aquela tia ia à nossa casa. Ela era alegre, divertida, vibrante, moderna, e, sem dúvida, uma mulher à frente do seu tempo. Eu era adolescente e isso tem mais de 60 anos… Um dia, para surpresa geral, ela declarou em alto e bom som: “Vou deixar de ler jornal. Essas notícias estão me fazendo mal… estão afetando a minha saúde! “… Mas como? Quer dizer que ela pretendia ignorar os fatos do mundo em que vivia? Fiquei literalmente chocada.
E naquela época, a TV engatinhava no Brasil, e claro, não havia Internet nem celular… Naquele momento, não compreendi sua atitude mas hoje, de uma certa forma, sim… posso entendê-la… Ela adorava a vida e para defender a sua saúde preferiu ignorar as más notícias… Imagine se ela estivesse viva nos dias atuais, onde, não apenas os jornais, mas a TV, os celulares e a Internet despejam rotineiramente, notícias bombásticas, chocantes, absurdas… Notícias que muitas vezes não apenas nos surpreendem, mais afetam o nosso sistema emocional e, vale dizer, a nossa saúde. Como por exemplo, a questão do imenso drama dos refugiados na Europa… O escritor angolano Pepetela, que já foi vencedor do “Prêmio Camões”, disse que “o Mar Mediterrâneo se transformou em um imenso sepulcro”…

Cruel demais a rejeição dos refugiados por alguns países… Não dá pra compreender. Outro exemplo que não dá pra compreender é o fato que está sendo considerado “o maior desastre ambiental registrado na costa brasileira. As manchas de óleo que começaram a aparecer em setembro, já se espalham por nove estados e 2200 quilômetros de litoral. Devastam a vida marinha, ameaçam o sustento de pescadores e atingem paraísos ecológicos como a Praia dos Carneiros, em Pernambuco, e a Praia do Forte, na Bahia”. (cf. Bernardo Mello Franco, em “O Globo”, de 20/10/2019). Isso, sem dúvida, é inadmissível e incompreensível que possa acontecer…

Também, há poucos dias, o desmoronamento de um prédio de sete andares, em Fortaleza… e a informação de que era tudo irregular… Como compreender e aceitar tudo isso com naturalidade? Com isenção de ânimo? Somos considerados animais superiores pela razão… Mas lembro de Clarice Lispector, tão atual…: “Não queiras compreender. Viver ultrapassa todo entendimento.” E lembro também de dois versos iniciais de um poema que escrevi: Por mais que me prepare para a vida / Não estou preparada pra viver…// E me pergunto: quem estará, diante de um mundo tão incompreensível?…

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